quinta-feira, 1 de agosto de 2013

O sitio que nos faz.



     Quando se trata de pessoas gosto de pensar que no fundo somos todos iguais: às vezes maus, às vezes bons. Mas somos especiais por virmos de onde vimos, somos especiais pela história que trazemos na bagagem e sobretudo pelo que nos ensinaram a ser. 

     O espaço onde nascemos e onde aprendemos a caminhar, a escrever e a viver diz tanto de nós como qualquer árvore genealógica que possam ter feito com a nossa história familiar ou mesmo o grupo sanguíneo que a genética nos deu. Às vezes parece só um espaço físico, mas é muito mais do que isso e durante muito tempo a sua importância vai muito além do nosso entendimento e ânsia por sair e conhecer o mundo que nos rodeia.


     Estou em Lisboa há 7 anos. Vim com 18 feitos de fresco e uma bagagem cheia de medos e saudades. Mas sabia que tinha de vir, porquê não sei. Como se esta cidade que tanto me assustava também me puxasse com toda a sua força. Custou imenso, pensei em desistir, pensei em voltar para as saias da mãe e sonhei ter outra vez 16 anos para sempre e nunca ter de crescer. Nos primeiros tempos foi duro, não pertencia aqui, não me identificava com as pessoas e achava que elas nunca me iriam compreender. O silêncio matinal do metro era, todos os dias, uma câmara de tortura. As caras das pessoas perdidas nos livros, jornais, revistas e telemóveis era surreal e parece que ninguém reparava em ninguém, que as pessoas eram só números que estavam ali à espera de sair para realmente se tornarem  “Pessoas”, com história e vida lá fora. Ficava a imaginar onde iria aquele senhor de fato, ou aquela senhora que mastigava umas bolachas enquanto mandava sms’s. Ainda hoje penso.



     Tinha preconceitos com as pessoas daqui, confesso. Não é uma coisa de que me orgulhe, ter preconceitos torna-nos tacanhos e não gosto disso. Esperava encontrar alguém com pronúncia do Norte em qualquer lado que fosse e quando isso acontecia era o aconchego para a alma. Esperava encontrar alguém tão perdido quanto eu e com pronúncia (qualquer que fosse ela) na carteira, alguém com quem pudesse partilhar uma mesa e contar como isto tudo assustava. Encontrei. Isso é o melhor na Universidade. Pensamos que deixámos o conforto do lar para estudar e aprender uma profissão, mas é mesmo muito mais do que isso. E de repente quando sentimos que fizemos “a mudança” de uma vez por todas e que já está tudo devidamente arrumadinho nas devidas prateleiras percebemos que afinal também pertencemos um bocadinho a esta cidade. 


     Somos também uma pedra de calçada portuguesa e ao mesmo tempo turistas em part-time nesta cidade. Somos pecinhas vindo de vários cantos deste país tão pequeno e ao mesmo tempo tão distante de distrito para distrito.


     O B.I. deixa de ser muito importante e a localização actual do facebook também. Eu continuo a ter Trás-os-Montes em todos os meus poros. Ponho a mão na cintura quando refilo ou estou indignada, falo alto e com sotaque, uso expressões. Adoro expressões e adoro quando não me percebem, mas mesmo assim desperto curiosidade. Gosto de dizer de onde venho mesmo que os mais ignorantes façam comentários ridículos e sei que esse sítio que me viu nascer diz muito de mim e da forma como abro a minha porta e o meu coração ao mundo. E afinal estou aqui, o meu coração está lá e eu sou do Mundo.

     A fotografia não podia ser a melhor :) Todos os créditos à minha enorme amiga Mafalda.

     Love
     C.

5 comentários:

  1. Palavras e sentimentos que poderiam ter sido ditos e demonstrados por mim também. Como te entendo :/
    Beijinho*

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  2. Essa coisa fez-te escrever, na minha opinião, o teu melhor post.
    E é essa mesma coisa que me atrai.
    A mim e às pessoas que estão à tua volta.

    Agora bou ali e já bolto.

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    1. B de Basco és muito querido :) Da próxima dá-me mais um sinal básico da tua identidade :P Tenho medo de estar enganada :P

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  3. a frase do Saramago linda, obviamente. É do ensaio sobre a cegueira. falando do texto, posso dizer que é o melhor até agora :)

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