terça-feira, 3 de setembro de 2013

Querida Avó



     Querida Avó,

     Escrevo-te 3 meses e dois dias depois. Escrevo-te, mas se estivesses aqui teria que ler-te esta carta. Como te lia todos os documentos que me pedias. Afinal que significância tem não saber ler quando se traz tanta sabedoria na algibeira? Lembro-me que no auge dos meus 10 anos te quis ensinar a ler e escrever e tu disseste: "- Não sejas "brutinha", burro velho não aprende línguas". Não achei o argumento convincente, mas depois reflecti e cheguei à conclusão: Que iria querer eu ensinar a alguém que já sabia tanto e todos os dias me ensinava mais coisas e coisas realmente espectaculares?
     Não sei porque demorei tanto tempo a escrever-te. Penso todos os dias em ti e de como é estranho não estares lá no sofá à nossa espera, como sempre estiveste. Daqui a 4 dias faço 25 anos e não vou ouvir a tua voz a dar-me os parabéns, nem me vais meter chocolates na mala à socapa para eu trazer para Lisboa. Tens de saber que continuamos a pensar muito em ti. Todos e todos os dias. Temos estado juntos à volta de uma mesa com comida como gostarias que fosse. E sobra sempre, porque como tu dizias "É melhor que sobre que falte". Agora, só faltas tu.
     Faltas tu com as tuas piadas espirituosas e aquelas coisas engraçadas que dizias e que ninguém estava à espera: "- Oh avó, não diga isso" e depois riamos muito. Falta ver-te na ponta da mesa onde te sentavas sempre para tomar o pequeno-almoço e enchias o copo de café com duas colheres de sopa de açúcar. "- Avó isso faz-lhe mal", "Oh..morra gato, morra farto". Faz falta a tua sopa de batatas, legumes, arroz e massa...tudo junto. Fazem falta as tuas batatas com ovo e salsicha que sabiam pela vida. Não cozinhavas para nós muitas vezes e por isso quando o fazias era uma festa. 
     Fecho os olhos e oiço a máquina de costura, o tecido de flanela a deslizar na agulha gasta pelo tempo. Oiço-te a cantar meia dúzia de versos de uma música que não me consigo lembrar. E se passo em certos caminhos vejo-te a caminhar devagar e de mãos atrás das costas como fazias sempre. E se fosse domingo ao final da tarde só nos conseguia ver a implorar "Avó, venha dormir a nossa casa!", "Só um dia", "Oh, oh..não vou nada, eu estou bem é na minha casa". Se fosse preciso chorávamos e isso era suficiente para te comover e fazer pegar nas trouxas para ires um dia que fosse. O mesmo para quando te pisávamos nas plantações da horta e tu dizias "Carai na canalha que estraga tudo com o pés" e 5 minutos depois estavas a dar-nos morangos bebés que nasciam das tuas morangueiras de estimação. 
     Não há tempo que consiga apagar tudo isto, todas a festas de aniversário, todos os jantares de Natal, todos os domingos de Verão na rua ou Inverno à beira da lareira. Não há tempo que nos faça deixar de querer ser a tua preferida e sobretudo fazer tudo para que te sintas orgulhosa. 

     Love
     C.

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