terça-feira, 24 de setembro de 2013

I hate it


     Não é nenhuma novidade que as novelas criam estereótipos, geralmente fazem-no de propósito e embora não seja uma boa prática acaba por ser desvalorizada se for bem feita. Quando se faz uma novela é preciso que haja estudo, trabalho de campo para perceber como são na realidade as personagens que se idealizaram antes de se colocarem em papel.

     Somos um país pequeno com sítios maravilhosos e devia ser pecado não os conhecermos. Devia ser pecado não termos ouvido com mais atenção as aulas de geografia e trocarmos viagens cá dentro por viagens lá fora sem antes conhecermos o que é nosso. E é por sermos um país pequeno que é triste ver uma novela e perceber quão grande é a ignorância dessas pessoas que a escreveram. Falo do novo lixo de ficção nacional, pois está claro. Chama-se I love it, mas bem podia ser I hate it e hate it com muita força. 

     Eu que até sou uma pessoa que gosta de novelas. Aliás, uma pessoa que não tem vergonha de dizer que gosta de novelas. Sou,também, uma pessoa crítica e verdadeiramente defensora da zona onde nasci e que sempre chamarei de “Casa”, por isso não poderia deixar esta indignação passar em branco. Moro em Lisboa e por isso não vou generalizar e concordar com o que ando a ler nas redes sociais. Não são os lisboetas que pensam que os transmontanos são atrasados, são os ignorantes que já foram a Paris, Polinésia Francesa ou Nova Iorque, mas não sabem o que se passa no país onde nasceram e moram. São as pessoas que acham que o mundo global onde vivemos só chega a Lisboa de avião ou que a Internet só chega ao litoral. 
     

     Desculpem-me, mas escrever uma personagem de 18 anos que chega a Lisboa para estudar farmácia e nunca viu o mar ou sabe o que é um mp3 é o mesmo que ter a certeza que existe vida além da Terra sem nunca a ter visto. Alguém disse a essas criaturas que na escola há aulas de informática? Ou que, por exemplo, para uma pessoa se inscrever na faculdade precisa de acesso à internet e consequentemente precisou de ter conhecimentos para fazer trabalhos num computador para ter notas e poder candidatar-se? Quem mexe num computador não sabe o que é um mp3? As pessoas em Trás-os-Montes vão à missa, é verdade. Fazem o crisma e são educados numa vida cristã, mas também costumam sair à noite. Em Bragança há shots a 1 cêntimo na Happy Hour e as miúdas também sabem o caminho para a Zara ou Bershka

     
     Sobre o mar, agora. A menos que as pessoas sejam muito pobres (porque pessoas pobres há em todo lado) é difícil alguém com 18 anos nunca ter visto o mar. E mesmo que não tivesse visto na companhia dos pais e família podia tê-lo feito numa visita de estudo. Lá em cima também temos autocarros e escolas onde nos estimulam a aprendizagem e curiosidade. Criar um estereótipo destes é o mesmo que dizer que em Lisboa as pessoas não sabem de onde aparecem os ovos ou que o leite sai das vaquinhas. 
     
     Além do amadorismo da produção desta novela a actriz também não fez o trabalho de casa. Pergunto, quando é que se vai saber imitar a pronúncia como deve ser numa novela portuguesa? Uma transmontana não fala com sotaque do Porto e muito menos das Beiras. Nada contra nenhum dos dois, mas se é para fazer coisas más ao menos que se façam de forma profissional. 
     
     De tudo o que vi, a cena que me parece mais fiel é aquela em que os pais enviam comidas transmontanas à jovem estudante em Lisboa e ela recebe a encomenda com extra-felicidade. Não sei é que amigos são os dela que não ficam entusiasmados como os meus ficam, mas isso já é uma questão de saber escolher as companhias.

     Resumindo o restante do enredo: há também um brasileiro, interpretado por um português que também não estudou muito antes de começar a representar, uma angolana, um açoriano cujo sotaque também foi muito mal trabalhado e uma que de tão chata nem reparei com atenção qual a sua importância para a história. Moram todos numa casa muito bem decorada em que a renda deve custar um balúrdio por isso, presumo que os pais se desunhem a trabalhar lá nas terrinhas para poderem sustentar a vida luxuosa dos filhos na capital.

     Ah, já me esquecia, falar incorrectamente também não devia ser uma característica associada à personagem. Uma pessoa que ingressa em Farmácia deve ter uma nota minimamente decente a Português e, por isso, cometer erros de português não faria muito sentido. Eu que também vim para Lisboa com 18 anos estudar Ciências da Comunicação sabia que dizer “Prontos” e “hadem” não era correcto, mas o meu professor catedrático dizia-o.

     Love

     C.

6 comentários:

  1. Em lisboa já viram neve?

    ResponderEliminar
  2. Não sou transmontana mas fiquei igualmente enojada quando li uma notícia que descrevia o enredo (nunca vi a série). Concordo e gostei muito de tudo o que escreveste. *

    ResponderEliminar
  3. bem escrito. concordo, acho que convém salientar o excesso em todo sentido nessas filmagens amadoras da tvi. continua a argumentar este tipo de coisas, claro que é um blogue pessoal mas se falasses de coisas mais gerais o teu blog faria sucesso!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada anónimo :) Agradecida pelo conselho que tentarei seguir, sempre que possível. Se bem que a génese deste blogue tem tudo a ver com a fotografia como parte inicial de cada post. Às vezes gostava de escrever sobre mais coisas, mas preciso das fotografias..sem elas isto perderia o sentido que lhe quis dar desde o inicio :) Vou ver se consigo fotografar mais.

      Eliminar