Há três dias que a história se repete. Entro no autocarro ainda a dormir e a pensar como dava tudo para voltar para a cama. Mal reparo em quem está, muito menos se as pessoas se repetem. E sem olhar para quem entra ou sai vou sintonizando a rádio no meu telemóvel, quando já estou acomodada e a ouvir qualquer porcaria de música animada reparo na rapariga sentada à minha frente. Tem o símbolo de espadas (daqueles dos baralhos de cartas que nunca sei identificar) tatuado a vermelho na nuca. Traz sempre o cabelo apanhado e veste-se mal. Não sei se o facto de ser espanhola está ligado com o facto de se vestir mal. E com ela vem sempre um rapaz de cabelo encaracolado e com gel, usa óculos e também é espanhol.
Há três ou quatro dias que se sentam à minha frente e nunca estou atenta para perceber em que paragem entram, mas saem sempre na mesma que eu. Até aqui, nada de novo. Mas, quando volto para casa ao final da tarde, o que varia consoante a hora em que saio do escritório, se passo ou não no supermercado, se vou beber finos para uma esplanada, eles estão outra vez no mesmo autocarro que eu. Ela sentada mesmo em frente a mim e ele de pé ao seu lado.
Pergunto-me se também eles repararam nesta coincidência. Ou se somos todos tão invisíveis nesta cidade que ninguém (além de mim) repara nas pessoas repetidas no metro ou em qualquer outro transporte público. Pergunto-me se há alguma explicação para todos os dias ver aqueles dois no mesmo sitio como se houvesse uma hora certa, marcada no relógio para eu ver aquele símbolo de espadas vermelho à minha frente.
E depois penso que realmente não adianta fugir de certos encontros. Se realmente estiver marcado no relógio das coincidências eles vão ocorrer mesmo que nos tenhamos atrasado ao voltar para trás para pesar os legumes que não dão para pesar na caixa ou para buscar uma agenda que deixámos em mesa da secretária.
Love
C.
Eu já tenhos os meus "conhecidos" do metro e do comboio. Adorei o texto. Adorei. E concordo mesmo com a conclusão...
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