Sou uma pessoa curiosa e atenta a pormenores. Sou uma pessoa que passaria, facilmente, largas horas sentada num banco de jardim a ouvir música e a ver pessoas a passar. Sim, só a ver pessoas a passar. Gosto de ver pessoas, de reparar nas roupas e nos pormenores. Isto assim parece meio doentio, mas sigo com os olhos, todos os dias as pessoas que entram no autocarro que apanho para ir trabalhar.
Começo por vos falar da senhora mal encarada que chega sempre primeiro que eu à paragem. Tem dois casacos característicos: um que usa em dias de chuva (que é uma mistura de parka mal amanhada, como se diz na minha terra, com edredom) e outro em dias frios e solarengos que parece ainda mais um edredom. Tem cabelos brancos e revirados para fora com o secador e usa óculos de massa "modernos", mas não tem bom gosto para sapatos. Nunca a vi rir, nem esboçar um sorriso mesmo quando há crianças a dizer coisas engraçadas no autocarro. Sai sempre na paragem do Marquês de Pombal e entra no metro, desaparece entre as outras pessoas apressadas e só a volto a ver no dia seguinte. A quem também nunca vi um sorriso foi à senhora da tatuagem FERNANDO, isto simplesmente porque a apanho sempre de costas a ostentar a sua tatuagem. Às vezes pergunto-me quem será o Fernando. Será um filho? Um marido? Ex marido? Deve ser marido caso contrário iria usar um camisola maior para tapar o arrependimento. Já que falamos de arrependimento tenho de vos falar da senhora de cabelo curto e óculos que, hora entra na minha paragem ou na a seguir. Tenho cá para mim que com este frio hoje se arrependeu de não ter entrado na paragem dos Sapadores já que ali batia o sol e na a seguir não. Tem um ar preocupado, consigo vê-lo na expressão facial e na pressa com que se levanta na paragem anterior à da sua saída, como se tivesse medo de não se levantar a tempo e alcançar a porta. Autocarro que se preze não passa sem a figura característica que fala tão alto ao telefone que todos conseguem perceber que o fulano X é um aldrabão e não tem mão nos empregados. Falo do senhor com ar simpático, mas com um tom de voz extremamente perturbador para os meus ouvidos acabados de acordar. Ou fala alto (mas mesmo alto) ou há dias em que adormece e ressona um bocado. Prefiro-o neste segundo modo.
Há também quem nunca me vire as costas. O senhor de camisola bordô e logótipo de qualquer restaurante vai sempre de costas para o caminho, ou seja de frente para mim. Encara-me muitas vezes o que me irrita, mas tento pensar que pode ser para qualquer pessoa que esteja sentada e nunca para mim. Há dias fui comer um prego a Alcântara e foi ele que me serviu. Coincidência? Claro! Apeteceu-me dizer - Não apanhamos o mesmo autocarro? Mas depois mastiguei o prego e esqueci a ideia.
Qualquer dia estou na fila dos CTT e encontro o rapaz baixinho das Vans. Esse não sei onde entra, mas sai sempre nas Amoreiras com a sua mochila. Às vezes dá-me a impressão que vai a dormir, mas deve ser só da posição mais confortável que encontrou para ler as noticias no iphone. Nunca tira os óculos por isso por vezes penso, de que cor serão os olhos? A seguir penso no Pedro Abrunhosa e não passa daí. Duas paragens anteriores à minha saída entra o senhor mais distinto do autocarro, pergunto-me onde irá todos os dias à mesma hora de fato e gravata se já não tem idade para trabalhar. Ver os netos, talvez.
Gosto das roupas da miúda que entra na Almirante Reis, mas acho que não conjugaria assim as peças. Hoje por exemplo, acho que fez uma má escolha ao calçar sabrinas. Está frio.
Love
C.